Crônicas

Arte: Evandro Cardoso sobre foto de Luan Zebini



A CASA

Agora já são seis as garrafas de refrigerante vazias ao lado do tanque de lavar roupas e a caixa d’água do banheiro está enchendo, o bujão de gás está cheio agora, e tem até mesmo café para as visitas e tudo mais. A caneta é emprestada, mas o telhado já está pago; O tapete tem poeira, mas o chão já foi varrido, coisa de homem sozinho!
Mas tem até enfeite na parede da cozinha com os dizeres: Prosperidade e Fartura! Isso realmente é uma verdade, farta tudo mesmo!
Tomadas para aparelhos elétricos são duas, interruptores são três; Três metros e pouco por dois e alguma coisa, beirando os três; A pia está cheia de louça e tem até uma cortina, um móvel estranho para os pratos e os talheres, tem alpiste para o passarinho, duas margaridas, uma lagartixa (quase de estimação) no teto, e um monte de formigas por sobre a mesa (deve ter caído alguma coisa doce) coisa de homem sozinho!
O banheiro é pequeno, mas tem até espelho embutido, a água é fria, mas eu não me importo os seres humanos também são sendo assim acho que tudo bem.
Sempre ou quase sempre fica alguém boiando, nadando que nem turista, mas tudo bem é coisa de homem sozinho.
Tem quarto, guarda-roupa e até penteadeira cheia de bugigangas; Perfume, pano, papel, moedas e um espelho e mais um tanto de coisas, tem até três passagens e nenhuma porta, dá pra imaginar? Tem somente uma cama, mas são três os colchões, tem até mesmo um violão, que é emprestado provisoriamente.
Na sala tem a porta e a janela e outras coisas que não são daqui, e tem também uma luminária florescente (por economia), e às vezes tem alguma visita, tem alguns dias contentes e outros dias mais tristes; A casa tem teto, daqueles telhados diretos, mesmo vazios tem amor, tem afeto, e assim desta forma a casa está lá, ou melhor, dizendo, aqui!
Mas um dia eu vou e ela fica, ficará bem, esperando pelo dia da minha volta ou da volta de outro alguém.

 Junho 2003 / Altinho – PE

 01.


A LESMA TRISTE E A LARANJA MOFADA

Faz dias em que as horas se arrastam como se fossem lesmas entristecidas, dias em que as laranjas mofadas e os papéis velhos, não saem de cima do “armário” feito de quarto pedaços de madeira pregados com uma divisão estranha no meio e de fundo um pedaço de compensado, meio que velho, meio que podre e com certeza muito feia.
Eu sei que existem dias em que o mofo precisa ficar quieto, intocável como que para ser notado por alguém, até mesmo estudado com atenção e paciência e de certa forma apreciado, em seu momento mágico e soberano: Úmido, frio, branco, mal cheiroso: Tendo a sua beleza ofuscada somente pela grandiosidade inigualável de uma teia de aranha contrastando com a luz e a sombra, como que se fosse uma obra de arte viva de um mestre renascentista, e de fato ela é.
O silêncio às vezes se torna ensurdecedor, grande amigo, ingrato, bandido, cárcere cruel da liberdade: Ossos que estralam como se fossem ovos em óleo quente, como os grilos em noite afora, como uma noite de lua cheia, daquelas em que algo acontece ou com certeza ainda está por vir: Mistério é tudo aquilo que não se quer entender, feito aquela voz que se finge não ouvir, doida, doída, forte, grave, rouca, louca. E de repente, vazio, aberto, escuro feito osso roído por formiga, feito a tinta que vaza enfurecida, apesar de agressiva, silenciosa, implacável, por um acaso inevitável.
Do teto cai o pó e a sujeira morta, um cheiro forte de café requentado e fervido, misturado com bolacha velha e murcha, um fedor de cigarro, dedos cansados, mas o dia da lesma entristecida continua mórbido, único, feito um parágrafo inacabado, confuso como uma vida embolada, como se fosse um nada, rio seco, dente podre, voz cansada, suor, delírios lúcidos, choro sufocado de saudades, um amor inerte, a falta, carinho de olho vermelho de sono e nem tudo tem que ser explicado, assim como nem tudo tem que ser entendido.
Vida é feita para se viver, certeira, de fogo, com choro, nem reza, nem vela: Um amor para se amar, se der, for amado, quem é que sabe? Cada um sabe, ah sabe, lá dentro, lá junto do silêncio, ah sabe.
Ainda mesmo que não se queira saber, dói feito àquele corte fino, feito cisco no olho, feito arroz no alho, feito aquele refogado, feito menino novo afogado, feito como o que conhecemos por desgosto, e por mais que possa parecer tolice, tá aqui, tá aí dentro, quieto, escuro, calmo e em pânico, mas tranquilo.
Dilacerando as entranhas, o fígado, pulmão, as veias e fazendo brotar as olheiras negras, inegáveis, corrigíveis, e tão feias, estranhas.
O copo esvazia e se enche novamente, um cigarro se apaga e outro se acende, uma vida presente e outra ausente, tudo continua, lento e implacável, segundo após segundo como uma mancha dilacerada, feita com cândida, como uma vida vivida a força, como uma das formigas que trabalham, e vão e voltam não se cansam e vão novamente, a fio, a ferro e a força, fazendo com que aconteça o que tem que acontecer e pronto.
Sem um por que, sem perdão, com sentido, para alguém de certo, com certeza, sem remorso, sem ajuda e nem mesmo acaso, só de certo, somente isso.
Mas ainda assim se vive, e se continua no caminho, naquele caminho que mais ninguém pode nem deve trilhar, mesmo que cansado e exausto, mesmo que com a sola do pé ardendo em brasas como que se pegasse fogo, feito borracha derretida esticada, feito a vida.
Eu como de novo, eu bebo, eu canso, eu passo, e passa, tudo passa: Tudo passa: Queira sim ou queira não, se aprenda ou não, tudo de certo passa, ah passa.
Como uma folha de calendário que pode permanecer no mesmo lugar mesmo que se mude o mês, ou até mesmo o ano, mas o dia passa e a laranja verde amadurece, amarela, mofa e embranquece, apodrece e passa, ou quem sabe antes vira suco, quem sabe bagaço, vira líquido ou vira pó, que o vento leva que o homem bebe e se renova, e mata a sede, não sendo ele assassino por isso.
Por merecimento ou por vontade, por acaso ou descaso, se descansa e seca novamente e a vida continua para ser vivida assim como o livro é para ser lido, nem tudo na vida se entende, nem tudo nos agrada, mas de certo que é fato, e fato é fato e ponto: Muitas vezes aparentemente sem sentido, muitas vezes mal amado, e daí? Aquilo que é, é e pronto: E absolutamente tudo continua, quer se queira ou não, e os mistérios são mistérios, até que se queira admitir, até que se queira mexer, até o momento que se queira compreender, e o silêncio será sempre perigoso, e belo e raro.
E a gente sabe, e teme, não admite, e teme novamente, sabe lá exatamente o que, mas teme talvez ouvir a si próprio e enxergar aquilo que somos seja de fato cruel, crueldade? Ouvir a si mesmo é admitir… Sou um nada, mero esterco, adubo: Mas que bom que o nada é um algo, queira ou não se admita ou não, e tudo com o seu devido fim, talvez seu devido final, exatamente tudo, cada letra cada coisa, com um mero detalhe muda-se a maneira de saber, de entender, de aceitar e de compreender.
Laranja é laranja, mas laranja mofada é mais: É única, linda, é úmida, sem nenhum acaso nem descaso, feito o caso de dois, onde um é um e os dois são mais, são e sempre serão assim se queira ou não, admita-se ou não, lá no fundo a gente sabe, ah sabe.
E mais uma vez, novamente o dia volta ao zero do relógio, iniciando tudo aquilo que nunca se acaba, que nunca termina, mas talvez hoje a lesma triste durma um pouco e talvez acorde mais tarde, talvez levante mais cedo, talvez não, quem sabe talvez não esteja mais triste, mas de certo mesmo no momento é que a laranja irá continuar mofada.


Março / 2003 – Altinho – PE
  
 02.

 A MOSCA NEGRA 

Além do prato posto à mesa, por uma bela dona, a mosca negra jaz morta e solitária ao lado de um rio de pingo de suco e uma montanha de bife mastigado que o Joãozinho achou muito salgado.
Naquele pedaço de ar azulado invadido involuntariamente pela fumaça do cigarro que descansava esquecido em um cinzeiro de ferro;
Cinzeiro este que, serve agora de portal para o primeiro amigo (ou amiga), da mosca negra estendida (quem é que pode saber disso).
Aguardavam a chegada de outras tantas para uma formal e comovida despedida em seu funeral, com direito a um banquete para os visitantes que nos últimos momentos ao seu lado teriam por direito, um ultimo e incrível deleite.
Ah, mosca imprudente, compulsiva diante de tanta comida.
Beberrona de água doce e colorida, fartamente servida.
Boêmia de festa de meio dia, amante nata da vida, (da vida de mosca claro), mas amante da vida, ah sim! Isso sim!
Quem dera soubéssemos nós, os homens, saber assim da vida!
Morrer da carne, em um farto banquete, usufruir, da liberdade das nossas asas, sem nenhuma maldade.
Por alguns instantes, importunar os chatos; Incomodar os sensatos e fazer-se notar pela sua soberania de mosca.
E conquistar um enorme respeito, após algumas tentativas mal sucedidas de nos darem cabo da vida.
Ah se nós, meros homens, fossemos assim como as moscas.

03.


A VIDA É FEITA UM PÃO DE FORMA COM MANTEIGA


Eu estou comendo pão de forma com manteiga, guaraná de terceira (linha), mas até que é bom e a garrafa é verde e tudo, a minha trena está quebrada e de vez em quando, só para não dizer sempre, o dente ainda dói, mas tudo bem, para isso tem dentista e o pão é de forma e sem recheio, fica fácil para entender, é claro! Pode acreditar que tudo é fácil quando passa a se entender, de fácil digestão e tudo mais.
Tudo bem que há lugares onde entra manteiga a mais, mais tudo certo, é só colocar um pouco menos se não quiser alterar o colesterol, e todas as coisas que parecem confusas ficam mais claras, mesmo que aos poucos e bem devagar, é só prestar um pouco mais de atenção, pode acreditar que isso são batata e infalível, chega até a parecer água mineral, quando cai alguma sujeira logo a gente vê.
Hoje é dia de algum jogo de futebol, e não tem ninguém pelas ruas (exagero meu, deve ter mais alguma alma perdida por aí), tem vizinhos com visitas, eu mesmo não, eu sei que telefonemas a cobrar nem sempre dão certo, mas a gente gasta do mesmo jeito, e muitas vezes não dá nem para medir o estrago, a trena está quebrada, lembra?
Mas normalmente as encomendas para nós mesmo, podem esperar, não que isso seja certo, mas dá-se um jeito depois, vai levando-se pancadas, fica o hematoma, um dia talvez a gente aprenda; Mas tudo certo, por aqui não tem jornal mesmo, aqui se escreve e se passa o tempo da melhor forma que for possível, se lê loucuras, se tem ideias (algumas malucas), raciocina, trabalha, descansa, toma um banho e procura-se não se importar demais, por que tudo se resolve da melhor maneira possível, pois acredite, é como comer pão de forma com manteiga e depois escovar enxaguar e deitar, sem ter dor de dente, infelizmente algumas vezes isso falha.


Abril / 2003 Altinho – PE

04.


COPO DE CAFÉ FEITO NA HORA
Às vezes se faz necessário parar tudo, frear bruscamente, mesmo que talvez, seja inevitável um grave acidente, inevitável assim como a vida, mas tudo não passa somente de uma simples escolha, simplesmente um não ou um sim todo o resto, exatamente tudo aquilo que vem depois não passa tão somente das consequências, e só.
Às vezes elas são por demais desastrosas, mas ainda assim uma mera consequência, e todas as coisas que nos rodeiam, estas sim são parecem complicadas, mas na verdade em essência não são, pode acreditar e ter esta certeza.
Essências são belas e fortes e até mesmo invejáveis, para nós seres humanos, que na grande maioria das vezes nos achamos corretos, certos e infalíveis, e infelizmente nem sempre as coisas são assim. Achamos que detemos alguns segredos do universo, e acreditamos saber mais do que as outras pessoas, normalmente sempre achamos as nossas dores mais doídas do que dos demais, e nos esquecemos das pequenas coisas, das idiotices sérias da vida, do necessário e das nossas essências…
 Quanto tempo faz que você, não caminha descalço na terra? Naquelas que tem pedrinhas, que a gente acha que machuca o pé! Na minha forma de ver as coisas, na verdade eu acho que o que dói realmente nada mais é do que o ego, miserável ego nosso de cada dia, Que faz tudo aquilo que é do nosso interesse ficar agradável, e aquilo que não, ser desprezado e desprezível aos nossos olhos, é mais ou menos como tomar banho de cuia, refresca, mas não limpa de verdade.
A água não é assim tão fria, mas a gente acha que necessita um chuveiro quente, a vida em si mesma não é assim tão ruim, e sempre insistimos em desdizê-las quando nos deparamos com o que não nos agrada, culpa desse nosso pobre e miserável ego, que levamos para passear todos os dias, de tiracolo, pobre de nós seres humanos!
As coisas giram, rodam e voltam, e nós sempre pisamos, nos mesmos buracos de antes; Achamos que amamos, e também odiamos, a gente se contradiz, sem nem se quer notar e choramos muito mais por costume do que propriamente por sentimentos, queremos andar na moda e não notamos que tudo, mas tudo mesmo, é que nem um carro de corrida em rua de vila; Pura tolice, babaquice, puro ego.
Você me faz muita falta, mas na verdade eu não preciso de você, assim como hoje eu te amo como mulher e não a tenho, puro ego, tolice que vai e corre e volta às vezes forte e sempre em paz, e trás sensações que às vezes beira uma força descomunal e outras uma fraqueza de falta de almoço, e é verdade que já não sou mais assim tão moço, mas ainda estou em um processo de aprendizado, e hoje também sei de que a velhice se quer realmente existe, mas tudo bem essas coisas são parte das minhas maluquices, tudo continua sem mim, come mamão e vai trabalhar, continua roendo as unhas em dia de jogo, pega lenha para a fogueira, pinta um quadro meio maluco e sorri, e nunca na vida esqueça que em essência, eu te amo como mulher, como que se eu fosse um adolescente, e talvez um dia eu te ame como que se fosse um irmão ou um grande amigo, mas tenho quase a certeza de que irei te amar eternamente enquanto me for possível, da mesma forma que hoje em dia eu tenho medo de algumas coisas e já não faço outras tantas, e sei também que já tive algumas desilusões, mas permaneço com a minha velha teimosia de mula empacada, quando se trata de acreditar nas essências, que se na maioria das vezes não afloram, é somente por causa da falta de serem regadas.
E hoje em dia eu escrevo e menosprezo, o meu ego, que com certeza está guardado dentro de mim, mas que tento dia após dia manter sobre controle, e já não tenho nenhum medo em parar tudo, frear bruscamente, ainda que de inevitável se faça um acidente, mas tudo bem, eu tomo um copo de café feito na hora e procuro acalmar os meus nervos que saiu para comprar cigarros e ainda não voltou.

Maio / 2003 Altinho-PE

 05.


UMA SEMANA INTEIRA SEM PÃO
A geladeira já não está mais no canto dela, as pessoas se mudaram? Ou foram viajar?
Ah, de que é que isso importa o homem do pão já não passa faz uma semana mesmo; Talvez ele esteja doente, talvez não; Ou quem sabe se ele não ganhou na loteria, ou talvez não; Mas a porta tá lá, lá na sala, no lugar que tem que estar, exatamente no mesmo lugar, beirando literalmente a rua e guardando a casa, aguardando o ladrão, esperando por alguém, que não volta que não vem, quem é que sabe, vai saber!
Se for realmente que foi, espaço vazio de geladeira ausente, eco e silêncio, escuro e fresta de luz, a tomada e o interruptor, pernilongo e lagartixa, cadê todo mundo? Mudaram-se, foi?
E o homem do pão? Vai saber!
Mas a porta tá lá, isso tá. Inerte, imóvel, incansável, Infalível, a última que sai, a primeira que entra isso é um fato; Talvez todo mundo esteja viajando, talvez! Quem sabe?
Talvez o homem do pão também esteja viajando, quem sabe! Eu também sei que a geladeira não, nem a porta, a geladeira foi embora e a porta continua no mesmo lugar, isso eu tenho certeza, de todo o resta já não.


Abril / 2003 – Altinho-PE

 06.


VIDA SECA

O tempo sempre ensina a ouvir o silêncio em sua inigualável magnitude e grandeza, assim como da mesma forma se cultiva a paciência como uma bondosa senhora que vive no sertão, que tem por profissão o cultivo da terra e a oração pela chuva como uma diversão das mais sérias que existe, certeza não há, mas existe amor naquilo que está se fazendo, por mais que às vezes possa a outros parecerem.
A felicidade mundana se condensa, e viram pequenas partículas que se apresentam quando se fazem realmente necessárias, e nunca faltam somente se restringem as coisas reais, coisas essas que ultimamente se fazem tão raras e escassas, por que na maioria do tempo, a gente se preocupa mais em pedir do quê se dar ao trabalho de fazer alguma coisa, por menor que seja, almejando grandes responsabilidades, mas não tendo nenhuma paciência para realizar pequenas tarefas, normalmente se busca títulos em folhas de papéis assinados e de preferência emoldurados nas nossas salas de visitas e quase sempre nos esquecemos de aprender verdadeiramente por causa daquele velho e puro comodismo tão comum nas vidas modernas, vida esta de quem nos tornamos escravos felizes, e na maioria das vezes nem se quer chegamos a perceber, esquecendo-se de quê princípio é essência, e calamidades (às vezes particulares) acontecem, e ainda assim vamos acostumando com as modernidades, mãe tão querida do amado progresso.
Eu sou seco, real e chato, também moderno, mas com bases erguidas quando a roda ainda era quadrada, sou fascinado pelo novo e reverencio o antigo, sou tudo aquilo que assusta e na verdade sempre existiu, sou humano, sou carne, osso e excremento, sou belo e também nojento, eu sou aquele que após um banquete com pratos de porcelana e taças de cristais, levantasse e defeca; Eu sou cru, sou eu mesmo, eu sou outros bilhões, honesto e filho falho, um homem apaixonado e eufórico com tudo, infinitamente um mero aprendiz, eu sou palma de terra seca, admirador do silêncio, discípulo da paciência e também um ariano de oito meses, que acorda tarde e não dorme a noite, que não cansa, sou aquele que sempre erra, mas que também aprende, sempre foi assim e vai ser desta forma pra sempre, ao menos enquanto eu for carne, bactéria, alma ou somente uma lembrança.


Abril / 2003 Atinho – PE

 07.


AS DUAS MARIAS

Estou suado e a água não chega; Estou cansado e o sono também não chega, eu to com saudades Maria!
Você não chega, nem vai chegar, nem de uma forma nem de outra, nem mesmo uma nem mesmo a outra.
Mas eu estou aqui, nem tão forte, nem tão magro, cabeludo e barbudo, ou seja, sem novidades; Cansado de pé eu escrevo, penso e não me canso, eu não para apesar de que às vezes eu queria, às vezes, só às vezes! Eu To com saudades Maria! Muitas saudades!
Deu para notar, NE? Sei que deu, assim como eu sei que sabe; Sabe não sabe? Desculpa! Eu não ter lhe contado que a gente namora! Desculpa! Por eu não ter vindo viajar com você!
Eu to com saudades Maria! E um dia é certo que eu volto, não sei se logo, mas volto.
Espera-me, por favor! Olha por mim, por favor! E se der e for possível, nunca me esqueçam!
Estou com muitas saudades Maria!

Abril / 2003 Altinho-PE


 08.



A MINHA BELA

Hoje eu nos vislumbrei daqui alguns pares de anos. E nós dois estávamos lá, assim…
Eu propriamente dito, não tinha mais aqueles cabelos brancos que já hoje desejo nem muito menos estava careca, eu estava com quase todos os meus fios de cabelos, certeza: E você? O que dizer? Você como sempre era bela!
Nós dois morávamos em um sítio humilde, mas que tinha um computador e sua máquina fotográfica digital, sempre ou quase sempre do seu lado, e você era dona do canil que havia nas proximidades, Não ficava muito longe da li, ele era muito conhecido nas redondezas por recolher e cuidar de todos os animais que eram abandonados pelos seus donos.
Eu cuidava da nossa horta e daquele espantalho que lhe dei em algum natal, nem me lembro de quando (a minha memória que já não era muito boa piorou um pouco), Você cuidava do canil e no final da tarde lia o que eu te escrevia, só para me chamar de besta, sorrir e me abraçar e beijar da forma que somente você fazia.
Além do canil você também tinha um asilo, ou uma casa de repouso como você gostava de se referir a ela e eu abri um orfanato: Você também era dona e lecionava na academia de artes e eu era proprietário e professor de um circo-teatro.
Às vezes nós íamos à missa, de onde na volta à gente comia pipoca e caminhava de volta pra casa de mãos dadas.
Eu estava pelo menos com uns dez quilos a mais e você continuava como sempre magrela, sempre a minha bela.
Durante as noites pintávamos juntos durante algum tempo e antes de irmos dormir você sempre fazia a oração, eu ouvia agradecia e dormia: As sextas feiras dormíamos mais cedo do que de costume por que aos sábados era dia do pessoal da casa de repouso e do orfanato, virem até o sítio, onde todos passavam o dia quase que inteiro cantando, brincando e rindo.
Todo mundo comia cachorro quente de salsicha de soja, aquele pão de queijo que só você sabia fazer, chocolate suco de laranja e de tomate.
Domingo era dia de receber a visita de toda a nossa família, um dia onde quase sempre, passávamos vendo fotografias e lembrando histórias engraçadas, enfim ainda éramos felizes e dois moleques.
Nós despedíamos de todos no portão, e voltávamos para dentro de braços dados, onde nós sentávamos em frente à lareira e comentávamos um a um sobre os meus filhos e os nossos cinco (até aquele momento).
Isso, eu vi acontecer mais ou menos daqui uns quarenta anos, e eu continuava besta tanto quanto hoje e você tanto quanto hoje continuava sendo simplesmente a minha bela.

 09.


AS PEQUENICES DA VIDA
Eu poderia te escrever um livro, com coisas que você gostaria de ler, e leria: Se eu quisesse lhe escrever.
Não! Só um não, eu poderia escrever vários, tantos quantos fossem necessários.
Eu poderia até ser compositor de canções bregas ou até mesmo um pequeno gênio lírico e fazer belas peças, que um dia iriam se transformar em óperas monumentais: Eu poderia e seria capaz de escrever recitais, dirigir e encenar, deixar e ser uma referência para a humanidade na posteridade: Poderia também vir a ser um gênio da pintura universal e deixar pérolas para futuros museus Estatais, eu sei que eu poderia se assim você quisesse, e se quisesse eu seria muito mais.
Eu poderia também me atrasar com menos constância, mas para isso teria que escrever menos do que atualmente: Eu poderia até mesmo parar de fumar, apesar de que para isso admito que fosse sofrer um pouco: Mas eu gosto tanto de você, que hoje eu prefiro comer um cachorro quente de salsicha de soja.

 10.


ACHO QUE ISSO É AMOR
E Às vezes eu ouço a tua voz cantando músicas da Rita Lee, e se eu fechar os olhos até sou capaz de vê-la a meu lado, dirigindo tão leve, como se estivesse passeando de roda gigante.
Já faz algum tempo, mas é tão estranho como todas as coisas parecem tão recentes: Cada momento do teu lado parece o meu ultimo dia e eu acho bom sentir isso, é como andar na montanha russa, dá certo medo, mas depois a gente se apaixona por aquele friozinho na barriga.
Eu acho que isso é amor, por que é uma daquelas coisas que dentro da cabeça, como se fosse um rolo de filme antigo, a gente encontra milhares de razões para acreditar e encontrar explicações, mas não consegue dizer, tipo aquelas coisas de ter o nome de alguém na ponta da língua e não lembrar nem mesmo com reza brava na hora que se quer. E às vezes eu te ligo tendo algum pretexto, somente para ouvir a tua voz que tem um som igual ao de sorriso e faz meu dia sempre melhorar um bocado.
Para falar a verdade eu já não acho mais, tenho plena certeza de que isso é amor, por que todos os dias eu luto desesperadamente com a minha coerência para não olhar demais os motivos que nos fazem ser assim tão iguais e ao mesmo tempo tão distantes e que às vezes me faz fraquejar, tendo a ousadia de pensar em me afastar, mas a minha imaginação apesar de pouco constante me socorre nestes momentos me dizendo que se não formos marido e mulher, um dia você será a minha amásia.
É eu acho que isso é amor sim! Por que não raro me encontro madrugada adentro escrevendo coisas para você ou desenhando o teu rosto, e ouvindo a tua voz lá dentro da minha cabeça, certeza de que se isso não for amor é loucura, só pode ser.
Mas tudo bem amanhã logo cedo eu me interno, pois a minha imaginação (aquela que não é assim tão constante), irá te fazer como a minha enfermeira.
Eu acho sim, por que só se é capaz de escrever um monte de bobagens boas, quando realmente se ama, quando não, a gente se acostuma a ver as coisas ruins ao nosso redor, não que não exista, mas para absolutamente tudo passa a ter algum concerto nesta vida, e a gente só acha isso quando realmente tem um amor, um grande amor, o maior deles.
Daquele que não se precisa estar grudado o tempo todo, basta saber que ele está lá te esperando: Bem, fazendo com que eu seja capaz de escrever dezenas de textos e várias canções por mês eu realmente acredito que isso é amor.
Às vezes eu até posso sentir o teu cheiro, como se você tivesse acabado de sair do banho e pedisse pra que eu acendesse a lareira enquanto mexe o arroz doce no fogão de lenha e põe comida para os cachorros.
Eu acho que isso é amor por que adoro olhar você deitar toda tarde no sofá com a Kika, que como você diz que como você diz para ser gente, realmente só falta falar (mas não esquece que também tem gente que não fala, viu), e por que perto de você me sinto tão vivo que acredito ser capaz de ser aquilo que eu quero e de conquistar coisas que outrora já havia deixado de lado.
Acho sim, por que você gosta de usar meias desenhadas, com um sapato que a tua irmã diz ser “sapato de velha” e por que você gosta de Chico Buarque da Elis e da Clarice Lispector: Por que você é moderna, mas alimenta certo pavor de computador e também por que você é a mulher feita, mais menina que conheci até os dias de hoje e que tem a unha encravada mais linda que já vi.
Acho sim, por que somente você me fez escrever tantas coisas que para o resto dos seres humanos são tolices de apaixonado, e fazer eu me sentir bem com isso: Eu acho por que até sei que você acharia essa baboseira toda chata, mas que lá no fundo sentiria uma pontinha de orgulho de alguém ter escrito isso por você (ou talvez não), e no mínimo seria capaz de contar tudo isso pra Kika, que com toda certeza se pudesse e falasse lhe diria:

_Eu acho que isso é amor!

 11.

ALGUMAS BOBEIRAS

Tantas são as coisas, que a descrição humana não pode se quer chegar próximo de descrever, tantos são os mistérios solucionados dentro da ideia do justo, mas que ainda levará tanto tempo para que possa ser descrito com a mínima coerência lógica, com palavras que realmente possam ser compreendidas ainda mesmo que por alguns poucos.
A compreensão de tudo aquilo que é sublime e daquele mágico momento de transpassar todo o inimaginável para a capacidade humana, talvez seja somente um princípio, somente o verdadeiro início, a pura sensação de ser gerado, aquele primeiro ar que adentra nos pulmões negros e quase que adormecidos.
Saber quê: Nasci dentro do útero materno, e que a partir deste exato momento existo de alguma forma, embora seja tão pouco tempo que ainda me reste ou somente que sabe o necessário e nem um minuto a mais.
Não existe absolutamente nada mais belo e prazeroso e ao mesmo tão horrendo do quê saber explicitamente tudo aquilo que se foi até o momento em que simplesmente somos gerados.
A carne cheia de uma força vital, de luz e de energia, abençoada com um divino sopro.
Sentir em essência como que se fosse realmente possível visualizar todo esse processo, sentir em detalhes cada milímetro da própria ideia em formação, a germinação das nossas coisas em nós mesmos, coisas estas que as palavras não são capazes de descrever com a menor clareza que seja, é aquilo que somente quem sente é que realmente sabe, é mais ou menos como a euforia de um adolescente de uma forma muito mais branda e serena, saber quê; Eu quero isso! E quê; Eu não posso ter isso!
Ao menos não agora, não de uma forma que talvez faça com que as consequências coloquem um objetivo tão próximo a milhares de anos luz à frente.
A paciência e a serenidade são a chave e a fechadura, que espera pelo embrião que acaba de ser formado, e que já sabe que o tempo não significa absolutamente nada, por que existem aqueles que nascem muito pouco antes da morte, assim como também há quem morra antes mesmo do próprio nascimento.
A existência não é em nenhuma hipótese qualquer tipo de sofrimento, mas sim uma mera compreensão a qual ainda não somos capazes de com nossa pouca e limitada capacidade lógica, simplesmente tentar compreender.


11/12/2003


 12.


CARTA DE UM DOIDO VARRIDO
Ouvir atenciosamente o silêncio
Olhar obstinado dentro do escuro
Rodar incansável assim em círculo
Falar a verdade de si para consigo
Sonhar que está dormindo acordado
Chorar sem ter medo debaixo da chuva
Ainda sorrir faltando todos os dentes
Pentear os cabelos sem ter nenhum pente
Andar correndo e fumar o mesmo cigarro
Tomar café gelado e dormir tarde e pelado
Escrever assim cansado e amar sem ser amado
Gostar assim da vida e viver tendo certeza
Ser o que se é e sempre ter o que se quer
Fazer por merecer e seja o que Deus quiser.



 13.


HORA DO ALMOÇO

Eu gostaria de saber escrever e entender de letras, mas nunca fui muito capaz de me entender bem com o português (a matéria).
Eu até seria capaz de ler uma dezena de livros por mês, se fossem acessíveis às livrarias ou os tais sebos não estivessem ficando tão em moda, o que faz com que as coisas aumentem de valor consideravelmente, coisa de cidade grande (na cidade pequena já é caro por natureza, aquela famosa falta de opção), em ambos os casos coisas de desigualdade, Mas deixa a militância pra lá, por que eu to apaixonado, e quem tem paixão abranda, mesmo que somente por alguns momentos.
Mas mesmo assim eu gostaria de saber, como é que aquelas pessoas que escrevem livros o fazem: Já pensou que honra escrever um livro, ou ser cronista de um jornal ou coisa parecida, acho que eu só não escreveria em revista de fofoca, isso eu não faria, acho particularmente uma inutilidade pública, mas gosto duvidoso não se discute (só o duvidoso, viu?).
Eu realmente gostaria de saber de letras, mas sou de bairro simples, que não tem muitas coisas de arte e o pouco que tem é um tanto esquisito, e é sempre feito por artistas de bairro chique, infelizmente nem mesmo eles explicam aquilo que fazem (se é realmente que sabem), mas dizem que isso é que dá o charme (credo!).
Mas de vez em quando, eu vou até o Ibirapuera olhar Brecheret ou em algum museu ou centro cultural no centro (agradeço aos céus que são gratuitos), e por alguns momentos alivio a minha sede: Até sou capaz de derrubar paredes e me aventurar na brochura, mas somente por alguns momentos, normalmente nos mais difíceis.
Mas eu não sei de letras, e o muito pouco que sei, somente quem sabe é a minha gaveta, também sei que por muitas vezes só o que falta é uma oportunidade, coisa pequena, coisa pouca, daquelas que ninguém nem se quer nota, mas tudo bem, deixa pra lá: Eu to apaixonado mesmo, e um dia quem sabe eu saiba das letras, por enquanto a hora do almoço acabou e eu aqui escrevendo, acabei me esquecendo de almoçar! De novo! Enfim…





Escrito em 1992 – (Fábrica de blocos)
  
 14.


OBSERVAÇÃO INDAGAÇÃO E CONCLUSÃO

Somos um princípio, que nem sempre temos.
Não falo daquele de início, mas do próprio princípio.
Do qual somos órfãos com uma vaga lembrança
Com muitas poucas lembranças e sem nenhum orgulho
Ei, olha o quê somos! O quê é que somos então?
Somos assim sem passado? Sem herança? Ou sem futuro?
Somos o que meu amigo? Somente eu e você?
Dou gargalhadas das minhas desgraças e lamento quase todas
As minhas ingratidões, e sei exatamente os porquês.
Talvez por que eu faça parte de uma geração que é das perguntas,
De uma geração que não gera nada, mais inútil do que rabo de boi,
Que pelo menos consegue espantar as moscas, aí pergunto: E nós?
Acostumamos com as nossas e quase nos orgulhamos de ser carne podre
Seríamos nós meros fatos perdidos pelo acaso, sem uma razão de fato?
Ou simplesmente subproduto da modernidade progressista?
Sei lá! Mas sei que agora, sou simplesmente eu, o cara do espelho;
E mais alguns bilhões que moram em uma bolinha azul que vaga em um nada!
Nada?
Ah, como me incomoda essa tola geração cômoda! E talvez ainda piore!

15.
 
OS NOSSOS DIAS SERÃO PARA SEMPRE

Ainda que não haja nada nunca
Para sempre serão os nossos dias
E meu sorriso será sempre sincero
Serei teu irmão quando quiser companhia
Teu pai quando precisar de proteção
Tua mãe quando quiser um carinho
Teu amigo quando for dia de festa
Serei teu marido se um dia quiser casar comigo
E para todo o sempre serão os nossos dias
Será para todo o sempre, a minha Maria.
Ariana minha suja de tinta e minha menina
Uma irmã e uma amiga em quem eu confio
É uma mulher que eu muito admiro
E como alguém disse em alguma canção:
“Você é a paz que eu gosto de ter”
E os nossos dias sempre serão para sempre,
Para sempre eles serão.


 16.


 REVOLTA TRISTEZA OU EXTASE?

Eu sou a inquietude que pode haver no humano
Também aquilo que incomoda aqueles que desistiram
Sou a luz que agride os olhos daqueles que pouco enxergo
O lúcido e o louco trancados em um mesmo corpo
Até que eu seria capaz de ser um pouco mais claro
Mas eu não quero e nem simplesmente faço questão
Não gosto do normal e tenho grande aversão pelo fácil
Muito me entristecem todas as soluções óbvias e fúteis
Sou eu, o avesso de um pano de chão podre no lixo.
E de que realmente importa isso, se tudo hoje em dia é veloz.
E nada se faz lento, em um mundo com tanta modernidade.
Se alguém me faz falta nesta vida quase insensata e insana
De certo que é você: E se ninguém sabe quem é você,
Pouco me importa não me interessa nem um pouco se quer
Por que eu sou eu e o mundo é o mundo e tudo é certo caos
Tudo, ou quase tudo não passa de uma imensa confusão lírica.
Em certos momentos realmente se transforma no lúdico
Às vezes me pergunto: Diversão para Deus? Deus se diverte?
Se a resposta for não, certamente ele dá boas gargalhadas, como agora!

17.


FAZ-SE NECESSÁRIO

É sim necessário ter paixão
Ter razão ainda que insana
É preciso nunca se cansar
Necessário não descansar
Incansavelmente ainda lutar
Ser ouvido sem precisar gritar
É necessário ainda não morrer
Ser aquilo tudo que é preciso
Fazer tudo o que for possível
Ser somente um ser, e vários.
É preciso e também necessário
Amar sem ter nenhuma culpa
Também se entregar de corpo
Assim como aceitar de mente
Negociar a vida com a morte
Barganhar mais alguns dias
Para lutar pelo que for necessário
E se a derrota se fizer inevitável
É preciso antes de tudo ter paixão
Ter razão ainda mesmo que insana
Não ter nenhuma dúvida e prosseguir
Não questionar e tentar se entregar
É sim preciso ter todas as coragens
É necessário ser algum exemplo
Ser forte, até que se faça o final.
Mesmo que seja daquele que um dia
Foi para gente, nosso novo começo.


18.
OUTRAS BOBEIRAS

Existem algumas situações nesta vida em que o chão embaixo dos nossos pés se dilui,
Como que se fosse mágica e trás aquela sensação de que estamos caindo num abismo,
Em algum planeta perdido e quase sem vida, nos confins de um universo paralelo, e o mais impressionante é que isso pode ocorrer em plena Av. Paulista, e ainda mais na hora do RUSH (putz).
Putz é o que posso falar, é ter a impressão momentânea de que você é um carinha verde de cabeça grande e olhos esbugalhados em plena Av. Paulista e ninguém está nem aí com isso, estão todos caçando e andando.
O melhor de tudo é que nas primeiras vezes em que isso ocorre você saboreia um misto de pavor, desespero, raiva e mágoa, e sem maionese, mas após que o chão se abre e esfarela todas as nossas pretensões, e iniciamos a descida dentro deste abismo, a gente passa a ver tudo de uma forma bem diferente, a gente passa a abrir os braços e ter a certeza de que esta, realmente é a única maneira de poder voar, e até é possível curtir o vento no rosto, acredito que é mais ou menos assim;
Se jogarem você de um avião sem paraquedas, você pode ficar se debatendo feitas lombriga e morrer do coração antes mesmo da metade do caminho ou talvez abrir os braços e se entregar ao inevitável e tentar curtir plenamente os poucos momentos desta sensação que deve realmente ser única.
E o melhor de tudo é que antes que a carcaça se espatife no chão, talvez quem soubesse apareça um anjo verde, de cabeça grande e olhos esbugalhados, para te salvar, mas normalmente a gente se debate tanto que nem se quer nota a sua presença, e se isso normalmente ocorreria se fossemos jogados de um avião, imagina só na vida cotidiana que é um pouco bem mais complicada.


Dezembro / 2003
  
 19.


TRAQUINAGEM

Às vezes eu me acho capaz de tantas coisas e logo depois descubro que não.
Todo meu encantamento baila entre um dom divino e a maldição daqueles que se sentem diferentes do lugar em que está inserido.
Que Deus me perdoe (sei que ele é capaz disso), mas às vezes chego a me irritar com ele, assim sempre tão certo, fazendo todas as coisas com o seu por que, às vezes eu queria não ser capaz de ver certos tipos de coisas, talvez de fato eu não seja, e a culpa disso seja simplesmente dessa minha maldita mania de não aceitar o mais fácil, queria mesmo ser como a maioria dos outros, mas já não posso, e não sei se suportaria sê-lo.
Às vezes acredito em coisas que não sei se deveria, só sei que seria tão mais fácil ser aquele garoto obediente que se senta e permanece calado (não em silêncio), simplesmente calado, mas minha cabeça logo se agita e as ideias fervilham que nem água de chaleira no fogo alto.
Isso me leva a ter uma certeza de que eu sou como aqueles moleques traquinas, daqueles que é só lhe virarem as costas e ele logo sai aprontando.


Janeiro / 2004

20.

 
SIMPLESMENTE VOCÊ

Hoje eu vi você, e de repente me deu certa fome de janta.
Deu-me uma fome de mulher, me deu na cabeça a louca ideia.
Fome daquelas que os religiosos costumam se desculpar
Por terem tido e pedem perdão em seu íntimo e na oração
Mas como eu nem sou religioso e menos ainda peço desculpas
Apenas te olhei de todos os lados que foi possível no momento
Olhei-te como antes, de uma forma bem diferente das outras.
Pela primeira vez, eu te olhei com uma paixão tão indecente.
Daquela de adolescente safado por causa da puberdade aflorada
Olhei-te de costas, com meus olhos nus e te vi por inteira e nua.
Desejei ter você tão loucamente por um instante que fosse eterno
E te vi nua e recostada no meu peito entre os meus braços e abraços
Vi esta imagem se formar em minha mente, tão perfeita, nitidamente.
E o gozo, quase que perfeito, ainda que na ideia se real na imaginação.
E agora neste momento, eu só posso matar a fome que eu sinto de janta.
E pensar incansável na fome de mulher que sinto ao ver o teu corpo
Na minha fome de mulher que tenho e que hoje é simplesmente você.


Janeiro / 2004

 21.


PENSAMENTOS

Às vezes eu gostaria de ser capaz de não pensar em vocês
Ao menos por um dia, somente por um dia que fosse Maria.
Mas eu não sou capaz ou quem sabe não quero isso de fato
Fechar meus olhos e sentir a presença de vocês, normalmente,
Fortalece-me demais e alguma outras vezes ainda me entristece
É exatamente como saber que A é A e ter que fingir que é um B
Por causa de uma velha e tola sociedade hipócrita, e lamentável.
Com todos aqueles sorrisos fingidos espalhados por todos os lados
Um bando de gente tosca se fazendo conhecedoras de suas merdas
Que infelizmente na verdade não sabem nem mesmo aquilo que são
Gente que faz do próprio umbigo, rodoviária de cidade de um só habitante.
Pensar em vocês duas, não me faz mal, mas faz com que eu queira.
Coisas tantas que não podem ser, seja “por isso” ou por “aquilo”.
Coisas tantas que não podem ser, enquanto somente eu querer.
Apesar de haver dias em que as coisas se tornam mais difíceis
Não quero de nenhuma maneira deixar de me sentir como um E.T
E quem sabe um dia vocês também aceitem todas essas coisas
E talvez, também sejam um pouco bem mais próximas.


28/01/2004


 22.


SAUDADE DAS AMIZADES
Cheguei ao meu fim? Será? Quem realmente sabe?
Eu me conheço de cabo a rabo de for a e do avesso
Quando algumas certas coisas não causam mais medo
Isso realmente de fato é para causar muita preocupação
É mais ou menos como sentir quê:
Ainda estou simplesmente começando nesta vida,
Vamos dizer que no muito, eu passei no vestibular.
Estaria só começando a vida, e estou pronto para morrer.
Claro que, se isto se fizer realmente uma coisa necessária.
É estranho, é como receber um telegrama de um amigo distante.
Daqueles nossos amigos que nunca se esquecem da gente
Dizendo que chega ao próximo sábado e que trará o vinho
Para que possamos quem sabe colocar os assuntos em dia
Nada que ambos os lados não saibam, mas a presença às vezes.
É uma coisa muito importante, para quem ainda é verdadeiro.
E assim como um grande e honrado, eterno sincero amigo.
Deus sabe disso melhor do que ninguém aqui embaixo.


28/01/2004

 23.


  
POETAS, OQUÊ SÃO?

Os poetas nascem para dar algum sentido para as tristezas
Para que talvez sejam personificadas todas as desilusões
Para que haja algum sentido na lua e também nas noites
Poetas nascem para ser aquilo que mais ninguém seria
Nem mesmo por vontade própria ou ainda voluntariado
Poetas são assim tão exatos, o meio do certo e do errado.
São aquilo que há de mais triste nos olhos dos palhaços
E todos os mistérios, que fazem o ar de todos os bruxos.
Poetas são realmente exatos, é o princípio do que finda.
O ponto de partida de tudo aquilo que termina pra alguém
É o espaço preciso e único que há entre a morte e a vida
Poetas normalmente são as escolhas mais corretas da vida
Ainda mesmo que não sejam as melhores a serem tomadas
Talvez seja todos os poetas, somente o lado triste de Deus.
E todo aquilo que pode haver de belo na maior das tragédias
É com certeza a esperança da alma, num corpo sem força.
Hoje eu descobri, como que se eu realmente fosse um poeta.
Que não preciso de você para conquistar absolutamente nada
Mas sim, te quero como irmã e também como uma amiga.
Quero-te também como namorada, minha esposa e amante.
Quero-te como eterna amiga, e como minha companheira.
Para todo o resto da minha vida e também de todas as vidas.


30/01/2004

 24.


PARÁGRAFO SEGUINTE
Existem vidas em que as páginas são exatamente iguais, repetem-se diariamente os personagens e as situações, as frases e as atitudes já comuns aos dias monótonos da existência.
Existem letras que nunca foram usadas e formas que jamais foram experimentadas e mesmo assim de forma geral se prefere a repetição; Medo? Falta de coragem? Qual a diferença entre as sentenças? Você saberia me dizer? Ou iria repetir alguma explicação já dada sobre o fato, repetindo novamente o ato?
Sabe lá o quê empurra a gente ao comum e ao cômodo, de certo nesta minha mania individual de ser (não individualista), observo de uma maneira ansiosa pela escrita futura, sem espera nem cobranças; Haja vista, que essas os dias já nos trás aos montes.
Talvez a tinta acabe talvez o tinteiro seque talvez eu fique velho ou que sabe permaneço moleque (apesar de ranzinza), mas de certa forma o que me move assim como os dias de nossa existência, com certeza é a esperança guardada no parágrafo seguinte.


 25.


OS NOSSOS MUROS
Por várias vezes eu me sentia como se eu fosse um escritor que escreve exclusivamente para si próprio, um escritor daqueles que além de pagar para poder publicar os seus escritos, ainda teria que comprar todos os exemplares que foram publicados, para depois poder ler um a um, como se houvesse modificações para serem feitas em cada um deles, para quem sabe um dia alguém vir a se interessar por eles.
Como que se eu fosse um escritor desses, eu não vivo por assim dizer, para agradar ninguém, até mesmo por que infelizmente, absolutamente ninguém nesta vida quer ser agradado, na verdade a maioria das pessoas só quer que todas as coisas sejam feitas e pensadas a sua maneira, de certa forma, a sua própria imagem e perfeição.
Normalmente as pessoas enganam a si mesmas e fingem que são agradadas, como que em seu íntimo pensassem:
“Eu quero muito acreditar naquilo que fulano fez, me preenche o vazio e de quebra também faz um belo complemento com a minha cortina e o meu tapete”.
E depois disso a gente se arruma e até se perfuma para falar para os nossos supostos amigos, sobre todas as nossas vitórias, conquistas e aquisições de boca cheia e aveludada, como se fosse uma pintura importada, feita para um seleto grupo de pessoas tão hipócritas quanto nós mesmos, sempre escondidos atrás dos nossos próprios muros, que estão ali para guardar as nossas propriedades, intocáveis e cuidada zelosamente, moldadas ao nosso gosto e jeito.
Os nossos muros quase conseguem nos guardar do mundo, quase conseguem; e todas as noites os muros choram, e por trás deles a gente desfila os nossos luxos e de uma forma maquiavélica planeja como e com que roupa irá sair ao mundo no dia seguinte, e também de uma forma meio que impensada, planejamos como é que iremos agredir delicadamente aquelas pessoas que jamais irão passar pelos nossos muros, mas que sempre serão muito bem tratados pela nossa inigualável gentileza, mesmo que seja menos por respeito do que pelo medo que sentimos deles.



Março / 2004

 26.


EU

Todos os entendimentos começam de fato a serem vivos, quando se consegue ultrapassar os questionamentos e se passa a dar menos ou real importância aos nossos eternos “por quês”.
Se tornar um observador atento, se mostra uma tarefa meio arriscada nos dias atuais, às vezes se descobre que pessoas boas também podem e normalmente também são ruins, tudo depende de uma determinada situação, mas não passar patentes por causa dos medos realmente é uma coisa lamentável.
Acredito que o início do entendimento, seja ser aquilo que é preciso, e fazer o necessário sem nunca deixar que os fins justifiquem os meios, talvez este seja o mínimo, a primeira confiança que nos fora passada, faz parte de uma primeira prestação de contas, de certa forma é à volta ao útero.
O entendimento do respeito, certa ânsia pela descoberta que se anuncia, ainda mesmo que seja uma tarefa que se mostre arriscada, nada mais é, do que certo descobrimento de um “EU”.


Março / 2004

 27.


AMOR MORTO

Amo um amor morto,
Amo um amor mórbido
A minha amada está morta
Com os seus olhos cobertos
E tão pálidos e silenciosos
Mas quem foi que disse que
Eu em vida também não estou
Talvez ela esteja a minha espera
Com olhos baixos, serenos e livres.
Talvez ela esteja a minha procura
Liberta de quase absolutamente tudo
Eu sou um nada em mim mesmo
Com as vozes que ecoam na mente
Ecoam vazias risadas mórbidas
E meu amor, ela continua ainda morta.
Infelizmente acho que eu também.


Maio / 2004

 28.
  
 
AS RESPONSABILIDADES

É primordial não ter medo da vida
Não ficar intimidado com os riscos
Assumir as próprias responsabilidades
E não ser um covarde que se entrega
É preciso conhecer a sua própria força
E não se apavorar com nossos limites
Ser a própria essência que nos fez um dia
Encarar audacioso as brigas que ainda virão
Ter respeito pelo mal, mas nunca temê-lo,
Por que, antes ser um vencido com honra,
Do que aceitar a própria vida com inércia
É primordial não ter medo da nossa vida
E prosseguir na fila para o abate se preciso
De cabeça e com o celebro, sempre erguidos.
Certo de que foi feito tudo que foi necessário
E de que até o último momento não houve medo
Mesmo que o receio existiu em algum instante
Mas que nunca exista nem o medo, nem a dúvida;
Aí exatamente, é que reside o maior dos segredos.


03/04/2004


 29.


LÚCIDO OU EMBRIAGADO
Se todas as coisas que me foram confiadas
Não fossem suficientes aos meus olhos
Ainda mesmo assim estaria eu muito grato
Já não me faço de nenhuma forma rogado
Já não me estreito, nem julgo, nem guardo.
Aguardo somente a chegada do inevitável
Nem com inércia, nem despreparo ou ânsia.
Quando se sabe do desenrolar da história toda
Ou se luta contra ou se espera resguardado
Se preparando calorosamente pelo que virá
E se há momentos em que se faz a saudade
E os ossos amolecem e nossa carne se putrefaz
Há coisas que podemos e devemos nos orgulhar
Há instantes em que entramos em contato divino
E a pequenice de toda nossa força, fica ofuscada.
Então por mais insano que possa parecer eu agradeço
Que me venham então às dores e toda a contestação
Tenho ciência de alguns martírios e não me entrego
Encaro então meu próximo momento estando lúcido
Mesmo que me fosse mais agradável à embriaguês.


05/04/2004

 30.


SOBREVIVÊNCIA
Que se dane a sobrevivência mórbida
Que antes eu seja brindado com a morte
Do quê a morbidez tola de passar os dias
Simplesmente como eu puder passa-los
Que meus limites sejam o passo a mais
E toda tolerância ao fútil seja enterrada
Com crânios monstruosos e cheios de vermes
Que assim, exatamente como cada um de nós,
Todos eles, também foram criados por Deus.


Abril / 2004


 31.



QUANDO PEQUENAS COISAS FICAM MAIORES


Eu comecei a acreditar em tudo aquilo
Que você sempre quis me convencer;
Que os seus olhos dizem aquilo que não sente
E é pura viagem da minha ideia ver essas coisas
E infelizmente todas as coisas nem sempre parecem
Aquilo tudo que realmente de verdade elas são, sei lá…
Mas atualmente, os jantares continuam sendo postos.
E todas as noites, sempre continuam amanhecendo.
Mas não se preocupa, por que os amores verdadeiros.
Jamais morrem e nunca deixam de existir de verdade
Acredite nisso, simplesmente acredite nisso e só…
Às vezes os lugares simplesmente ficam pequenos,
E como que por uma necessidade vital temos que partir
E continuar no mesmo caminho, mesmo que se apresente;
Um penhasco, um precipício ou mesmo uma montanha,
Por que, quando todos os nossos próprios medos morrem,
Absolutamente tudo passa a ser o nosso grande momento
Mesmo que de repente seja tão somente o nosso último.


05/ 07/2004 

32.

SAUDADES DAQUILO QUE NÃO VÍ
Sou o cara mais torto que conheço pessoalmente, e o mais sincero também.
E hoje em dia já me questiono, até exatamente onde o segundo foi válido.
Até onde exatamente, essa minha maneira de ser no mundo, me fez são?
Estranho mesmo é essa nossa incapacidade de simplesmente parar e observar
E de olhar sinceramente sem ter nenhuma amarra amar sem ter algum amor
Hoje eu sei que são tão falhos todos os desejos, daqueles que são tolos e corretos.
Coisas como aquelas de outrora, que nos dias de hoje já não sabemos mais,
E que infelizmente nunca realmente foram nossas coisas em outro tempo
Definhamos lentamente, dia após dia, escravos dos nossos próprios caprichos,
Por que somos doentes e amarelos, somos dementes sem saber o que é demência,
Porque normalmente nós somos covardes de alma e heróis dentro da nossa casca
Eu, somente eu sei de mim, eu sou com minhas falhas tantas e tão poucas virtudes,
Se de fato realmente que eu tenha alguma virtude guardada dentro de meu ser
Não sei, não sei mesmo, mas tento não me enganar fazendo algum tipo de tese;
Muito menos tenho pretensão de resolver problemas alheios,
Colocando os meus próprios, que já não são lá muitos poucos de molho,
Por que infelizmente hoje em dia não se faz mais sabão como antigamente.


04/07/2005
  
33.

UMA CARTA AOS LEÕES ADORMECIDOS
É necessário ver não somente a pintura, mas todas as artes como um ofício, talvez ainda seja isso que falte até os dias de hoje, em pleno início de um novo século e com o mundo tendo quase que total domínio de tudo que pode ser inventado ou no mínimo conhecimento bastante para fazer invenções que outrora eram totalmente inimagináveis, ainda nos dias de hoje (e isso inclui os próprios ditos artistas), olham para a arte como um mero passatempo, terapia ou uma “coisa legal”, e também tem quem a veja como uma forma de expressão para explicar tudo o que acontece mundo afora, menos como um ofício que deve ser levado a sério!
Nesse angulo ainda temos impregnado na cabeça a mesma mentalidade do início do século passado, onde toda a sociedade se armava de pudores e regras para não aceitar que laços quinhentistas fossem passados pela curiosidade da descoberta de novas e infinitas possibilidades.
Hoje em dia o moderno e contestador é aceito quase em sua total plenitude pelas mesmas classes dominantes de outrora, e nós artistas de “hoje” não passamos meramente de um enorme leão dopado num canto, contentes por uma aceitação inevitável, e até emitimos aquelas risadas amarelas e cumprimos as nossas obrigações sociais às vezes muito melhor do que praticamos aquilo que para nós deveria ser nosso ofício maior, o encontro sublime do resultado braçal com um entendimento espiritual.
A sociedade então aceita os artistas como um produto inevitável do furioso progresso, e os artistas quase que totalmente inertes e acomodados ainda hoje simplesmente usufruímos das derradeiras migalhas das vitórias que outros companheiros de profissão, conquistaram há muito tempo atrás, fruto de um trabalho árduo e constante de quem teve plena consciência e que realmente soube o que é o ofício de ser um artista.
Infelizmente a total morbidez de quem recebe as informações de quê não seria capaz de produzir, convencem plenamente aqueles que produzem “arte” de uma forma fria e calculista feito para o gosto de um mercado seleto e fechado, cômodo em todas as suas ramificações, mas que apresentam lucros anuais mais do que fenomenais.
Muitas das coisas e das formas que á noventa anos atrás eram realmente uma forma de contestação e de inovação, era também o que esmigalhava formas conservadoras em todos os sentidos ainda hoje é feita, só que hoje isso não passa simplesmente de uma arte idiota feita por algum futuro artista imbecil, cheio de convicções mesquinhas que produz arte para um público burro por opção que se mantém encostado em intelectualidades pré-concebidas por uma grande maioria de pessoas bem sucedidas financeiramente que sempre ditaram as regras e as tendências.
Ou seja, se um sujeito com uma posição social respeitável no mundo da arte (na maioria das vezes por herança) disser que vermelho é a moda, no dia seguinte todos estarão consumindo o vermelho, o povo de uma forma geral e por falta de acesso a informação e ao conhecimento simplesmente segue tudo isso sem questionar, e para alegria da minha úlcera, os “artistas produzindo aquilo tudo que” lhe é sugerido e sutilmente imposto, por quem até gostaria de se aventurar nos ventos artísticos, mas que não tem competência nem capacidade para isso, mas que detém um conhecimento social, aquele velho respeito herdado e o dinheiro necessário para tal.
Que me perdoem os adeptos do “pode tudo” ou “o que vale é a expressão”, mas a arte seja qual for o seu segmento necessita direção e intenção.
Particularmente acredito que não só exista para mostrar aquilo que passou, mas também e principalmente para fortificar, preencher e encher vidas de algum sentido, fazer com que a maioria normal tenha algum tipo de esperança ativa e produtiva de que podemos sim ser melhor e que não só vale a pena como também é ótimo estar vivo e ter conhecimento e opiniões ainda que diferentes da nossa própria.
Imagine uma situação:
Havia um monte de merda de vaca no meio da estrada, e três amigos ao verem reagiu cada um da sua maneira:
O primeiro teve certo nojo e mudou de direção, o segundo achou engraçado e riu de seu amigo e o terceiro lembrou de que o seu jardim estava precisando de adubo.
Há pessoas preocupadas somente com o próprio umbigo, e assim como ao menos metade de uma grande maioria se desviam por ser uma atitude muito mais fácil e cômoda, outros só se importam com aquilo que acontece ao seu lado, e normalmente não fazem nada por si mesmas (a outra metade da grande maioria), e há pessoas que têm valores guardados e se utilizam dos ensinamentos e dos conhecimentos que lhe foram passados, com certeza seria muito mais fácil mudar de caminho ou simplesmente rir do que colocar a mão na merda, pensando em melhorar o nosso próprio jardim.
Infelizmente a parte que retrata bem os dias em que vivemos hoje, é quando os dois primeiros amigos riem juntos do terceiro que recolhe a merda, chamando-o de idiota e otário por não pagar alguém para fazer o serviço.
De forma alguma isso é uma questão de opinião, tudo não passa de valores, afinal hoje se paga para que outros coloquem a mão na merda pela gente e quem põe a mão na merda só o faz por que está recebendo por isso.
Infelizmente também é mais ou menos isso que acontece com a arte em geral, alguém paga para que outros coloquem a mão na merda e esse só põe por que está recebendo, sendo que ser um artista em sua total essência, é justamente colocar a mão na merda para melhorar o nosso próprio jardim, consequentemente nossos vizinhos talvez melhorassem os deles, e todos os blá blá blás dos livros de autoajuda que a maioria de nós em algum momento da vida já leu.
Mas tudo isso dá certo trabalho e em plena primeira década de século não temos lá muito tempo pra isso, pois é necessário ganhar muito dinheiro, para poder pagar as pessoas que irão colocar a mão na merda por nós, continuemos então sendo subproduto do nosso amado progresso, mesquinhos, egoístas e fúteis, isso com certeza é mais fácil e quem sabe se os nossos netos não modifiquem as coisas, afinal eles que se virem.
2005

 34.


A SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO

Aquele silêncio tão agressivo
De um santo inerte na estante
Vigiando com olhos vermelhos
Os nossos piores pensamentos

As beatas acenderam tantas velas
Que hoje já não fazem mais efeito
Quem sabe se simplesmente a força
Que havia veio com algum defeito

E aquela nossa fé falha, podre e fraca,
Ficou encantada numa vitrine qualquer
E infelizmente esqueceu-se de voltar pra casa

Aquela casa que tinha em uma estante
Um santo de gesso já todo remendado
De forma, vazada e cuidadosamente pintado.

Sempre pronto para ouvir as nossas preces
Que deixamos de fazer pelas nossas pressas
Sempre pronto para atender a tudo aquilo
Que a gente acha sermos dignos de receber
Sem que dê lá muito trabalho, é claro.
Mas o silêncio agressivo já não é mais ouvido
E aquele santo inerte já não é mais lembrado.


 35.


TÃO POUCA COISA ME INTERESSA

Sou à margem da pista de pouso
Pra você que desce divina do céu
Pra você que procura um repouso

Sou o gosto da água e do soro
Sou agora o meu lado mais amargo
Daquilo de melhor que fui um dia

Tudo faz algum sentido
Quando nada mais importa
Quando os sonhos acordados
Escondem-se atrás de portas

Que foram entalhadas dia após dia
Sendo feitas pelas nossas próprias mãos
Durante alguns dos nossos momentos
Que passaram por nós, assim desatentos.

 36.


CERTA GERAÇÃO

Os olhos que já não podem mais ver
Nem mesmo o horizonte lá ao longe
Aquela vida que não pode ser mais
Um pequeno pedaço da nossa esmola
Recolhida no farol às seis horas da tarde
Metade daquilo que vinha com o medo
E a vergonha que vinha na outra metade
Os sonhos que nos nossos dias são vendidos
Em loja de shopping, parcelados em 10 vezes.
Juro que não quero e nem faço alguma questão
História estranha que o tempo arrasta
Feito dias antigos e todos tão normais
Coloca esparadrapo, fecha o buraco, deixa pra lá.
Por que hoje eu sou um sapo e não quero espelho
Hoje também não tenho hora e não quero espera
Nesse momento agora é o começa do fim da esmola
Ah, essa pobre e tola geração do ar-condicionado,
Com os vidros fechados e com ar de assustados
Essa pobre geração de um tempo quase encantado.


37.

O PREÇO DA GASOLINA

A gente pensou tanto tempo em todas
Aquelas coisas que queríamos fazer
Que acabamos nos esquecendo
De fazer aquilo que nós devíamos
Não é que o tempo passou
Ele ainda nem se quer chegou
E a gente ainda sonhava acordado
Quando finalmente a noite acabou
Quer seja por um motivo ou por outro
Faça o que eu fizer, será sempre pouco.
Será sempre pouco aquilo que posso fazer
E você sabe bem que durante o dia
Os vizinhos não me deixam dormir
E que minha vida não me deixa sorrir
E o tempo vai cessando a cada instante
E agora já é bem menos do que foi antes
Nunca haverá alguma falha no que não existe
E nenhum erro de fato naquilo que não houve
Nunca esqueça que a vida é questão de escolha
E, eu sou a voz de um homem que nunca existiu.

 38.



UMA CARTA COLETIVA PARA MEUS GRANDES AMIGOS
Já não estou em um processo de busca e pesquisa dentro do meu trabalho, digamos que neste exato momento em que ele atravessa, eu me encontro meio estático e quase inerte.
Quase como que se eu fosse um boxeador que vai para o canto no intervalo de mais um rodada da luta; Estou sentado no banco fazendo um grande esforço para ouvir as instruções do técnico, que sabe com plena consciência que se alguma palavra chegar a meu celebro é muito mais por instinto do quê realmente pela concentração.
Neste breve momento, em que as dores já não são mais sentidas pelo corpo já anestesiado, a única coisa em nossa frente é somente o adversário que enfrentamos, todo o restante é um mero eco dentro da cabeça latejante.
A esta altura restam poucos rounds para o final da luta e estou perdendo por pontos, para um adversário melhor tecnicamente e bem mais preparado fisicamente, qualquer desvio de atenção fatalmente significa beijar a lona.
A única maneira de prosseguir é chegar ao fim deste combate vencendo por nocaute, uma tarefa agora, pouco provável de acontecer, mas que se faz o único objetivo no momento, até mesmo por que em uma luta de boxe às vezes é um só golpe que faz toda a diferença e muda todo o resultado.
Enfim, nos meus rounds passados consegui de fato definir e dominar o trabalho através da temática e do traço do meu desenho tem hoje aquilo que chamo de “a minha própria caligrafia” que apesar de não ser o suficiente dentro de uma obra, com certeza não é pouca coisa.
Quando ainda se é um lutador independente e sem patrocínio, não há muito tempo para poder se preparar para as lutas, tendo que ser mais alma e coração do que propriamente lógica e razão, que a certa altura dos acontecimentos já não fazem mais parte dos nossos dias, que felizmente sempre tiveram e terão grandes pessoas que mesmo sabendo que não deveriam, acreditam de fato e de verdade naquilo que a gente faz.
Talvez eu não vença a luta deste momento, mas é por essas pessoas que vou até o fim, sem pensar de nenhuma maneira em jogar a toalha.


13 / 07 / 2011


Ps.: Amo muito todos vocês.

 39.


NO LIMBO
Já não sinto mais certa necessidade insubstituível, e nem mesmo espero ansioso, pela temporada anual da série de grande sucesso mundial chamada vitória ou pelo sucesso virtual.
Talvez parte da culpa, seja dos inúmeros fios brancos, que brotam mensalmente por sobre o lugar que deveria estar plantado, aquele treco chamado juízo; Talvez a culpa seja do irmão mais novo, aquele outro treco chamado memória.
Com certeza parte desta culpa seja da crise dos trinta, apesar de eu, já estar bem à frente disso…
O fato em si, é que hoje eu já não sinto mais certas coisas.
Se de um lado me acho adormecido (por vontade), de outro me vejo entorpecido (pela falta dela); Por toda força bruta mal utilizada, pelos heróis tortos e pelas heroínas mal fabricadas pelos nossos shows reais com nome importado.
Alguém por favor, urgente providencie uma reinicialização geral, pelo amor da humanidade, por que “coisinhas” engraçadas são necessárias e desgraças alheias, podem até mesmo vir a ser interessante, em algum momento de uma tentativa particular, para melhorar nossos próprios monstros e demônios internos.
Tudo isso, realmente se transforma em um grande problema, quando vira regra, que infelizmente nesse caso, não desce pelo ralo uma vez por mês.
Eu acho que definitivamente, estou ficando velho: Apesar de me sentir ainda tão moço.
Às vezes acho que estou ficando louco: Apesar de achar que isso ainda é pouco.
Por que tendo ainda alguma sanidade, não consigo me encontrar em nenhuma idade.


Nostalgia e Besteiras

Altinho – PE 17-02-2011

 40.


MINHA VIDA

Realmente eu admito que minha vida fosse totalmente trágica
Se de fato não fosse ela tão irônica
Na verdade eu devo ter me perdido em algum canto
Que já não sou capaz de saber exatamente onde
Só sei que trilhei meu caminho entre bênçãos e maldições
E descobri que não havia luz no final do túnel
E não tinha nada no fim da estrada, e nem ninguém.
Mas todas as escolhas foram feitas consciente de noção
Eu me quebrei, consertei me desfiz e restaurei.
Eu sorri, gargalhei, brinquei, falei mal, esbravejei e chorei.
E nada disso foi capaz de modificar todo, ou parte do final.
Pois afinal, no fim das contas tudo não passa de consequência.
De algumas das muitas decisões precipitadas que foram tomadas
De cada um dos inúmeros detalhes que foram um dia escolhidos
De cada uma das tantas perguntas que não foram feitas
De algumas tantas respostas que nunca foram enviadas
De cada uma de todas as emoções que foram vivenciadas
De cada uma de todas as nossas outras vidas que foram vividas
Eu só sei que de todo o tempo que por mim foi passado
Nunca simplesmente em algum momento, eu tenha me adaptado.
De certo mesmo é que intensamente eu vivi me inseri, me injetei.
Embriaguei-me de cada um de todos os sabores que me foram ofertados
Se por algumas vezes eu pessimista, outras tantas, eu fui realista.
E no final de certo livro que talvez não tenha continuação
Lembro com a boca seca, de um dos diálogos passados por suas páginas:

Dois amigos recebem a notícia do suicídio de um amigo em comum, um diz ao outro:
_ Se fosse você, eu jamais ficaria surpreso com esta notícia!

E vários anos após o outro chega a sua conclusão:
_Todas as coisas que a gente fala, podem trazer sérias consequências e causar muito estrago na vida daqueles que nos cercam e que supostamente dizemos amar, e os caminhos que escolhemos pelo trajeto às vezes está mais para Van Gogh do quê para Picasso, nem melhor nem pior, simplesmente um do outro, totalmente diferente.


12-04-2011


 41.


UMA CARTA PARA MEU FILHO MAIS VELHO

Voa, se arrebenta e quebra as asas…
Eu estarei sempre por aqui. Sempre que for preciso
Para ajudar a restaurá-las da maneira que for possível
E tentar reestabelecer aquilo que você precisar
Sem nenhum julgamento hipócrita, tolo e vulgar;
Sem nenhuma cobrança mesquinha e egoísta
Sempre ciente e com plena consciência
De quê a derrota também é uma das possibilidades
Exatamente como a glória da conquista de uma vitória
Não sendo jamais, uma mais ou menos importante que a outra.
Nem se vista como um mérito e menos ainda como um fato
Ambas são exatamente iguais, sendo pura e simplesmente,
Duas vertentes de um mesmo caminho, ainda desconhecido.
Aqueles que somente são trilhados pelos fortes de espírito
Mesmo que por aquelas pessoas com tendências aventureiras
Pois, fraco não é aquele que chega derrotado no fim da estrada,
E sim aquele, que seja lá quais forem os seus ditos motivos;
Permaneceu sentado, lá no início da estrada esperando por uma carona,
Ou simplesmente aguardando pacientemente assumir o comando
De alguma coisa que não construiu e nem se quer ajudou a fazer
Estas são aquelas pessoas que dizem o que é certo e o que é errado
Aconselhando sobre a grande maioria dos gostos e sentidos da vida
Pessoas que nunca tiveram por vontade própria e por desejo saborea-los
Pessoas que muitas vezes não fazem questão de vencer absolutamente nada
Talvez por que sintam que a maior das glórias, é somente não ser derrotado.
Eu chamo a estes de “Os isentos” é aqueles que vivem em banho Maria
São os maiores exemplos a não serem seguidos que existem no mundo
Eu afirmo em minha plena consciência: Que você não seja jamais como estes
Não seja em vida o morno, na vida queime ou congele, nunca um tanto faz.
Questione quem foi mais sacana, Judas ou Paulo?
Nunca esqueça de que aquele que nos trai, nos mostra verdadeiramente quem é,
Por outro lado aquele que nega nos engana e permanece isento de culpa.
Vencer ou ser derrotado pouco importa, desde que se caminhe o seu caminho.
Para um dia saborear as suas vitórias ou encarar com honra as suas derrotas
Cada uma a seu modo trará a glória, daqueles que isentos não foram nem serão.


28 de Abril de 2011


42.


A ARTE PARA O EU

A arte é o ponto mais exato que separa a dor do grito e que antecede o gemido
Através das sensações perceptivas e individuais com mais ou menos intensidade
No momento exato do toque mais divino do indivíduo enquanto reflexo do criador.
O mais íntimo e próximo viável que se pode chegar do próprio ser,
Talvez algum tipo de alienação direcionada pela revolta em estado bruto;
Espelho do êxtase maior que talvez (acredito eu que sim), exista...
Emaranhado sutil do que há de pior e melhor dentro de nós mesmos.
Expressividade representada de forma bruta ainda mesmo que polida,
Sussurrada do útero criador do seu condutor que a exterioriza em diversas possibilidades.
E que em si, às vezes se torna em improváveis realidades materiais.
É a filha bastarda e deserdada dos sentidos humanos,
Também o amor que viola o direito ao não sentimento
Com toda a sua egoísta capacidade de não conceder direitos a não percepção e indiferenças,
Sejam elas de caráter individuais ou coletivos.
É aquilo que transgride e transcende aos direitos pessoais de apatia,
Através de sensações e sentimentos de glória e escárnio, o que há de mais podre dentro das convicções morais mais belas.
Faca de gume afiado e de corte exato se bem usada, através de um conhecimento muitas vezes intuitivo, nascida de si mesmo como uma esfera que não se sabe do começo tampouco do fim; Através de um processo singular Divino que jamais se explica e menos ainda se entende.
Agressivo doce e passível de observação e vivência diária, sem nunca haver estado.
Imperceptível tremulação da carne em estado de putrefação avançada.
Choque elétrico em nervo exposto que precede a cura divina da alma atormentada de sensações inexplicáveis e tão exatas, exteriorizada como germinação prematura do ser resguardado.
Hipotermia dos sentidos transgressores do individualismo cético e agressora que transcende o tempo físico dos coletivos dogmáticos das épocas e quase das eternidades.
Talvez o mais próximo da eternidade do ser além tempo, infinita possibilidade de materialização do eterno através da representatividade do agora, tão antigo e tão futuro quanto tudo aquilo que ainda não é...
Pensamentos vagos que não findam em si nem tampouco no finito instante da exatidão e que se assemelha com as pequenice e trivialidades das razões humanas; Caminhos ladrilhados em diamantes cravados em ouro e que conduz ao palácio maior da simplicidade carnal e mental do indivíduo provido do sopro Divino e o menor dos vermes provido de vida.
De um lado a benção e do outro a maldição, certo somente um que de salvação.

43. 


Contra Capa



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